segunda-feira, 28 de julho de 2008

Mala sem alça

Quando eu era criança, moleque, minha família não tinha preocupações com ladrões, crime organizado nem traficantes, bom, às vezes tinham, mas não era de meu conhecimento. Naquela época, eles só ficavam preocupados com os malas.

Os malas não eram necessariamente bandidos, nem os bandidos eram necessariamente malas. O mala, conceitualmente pelo que eu entendo deles hoje, eram somente malas, imprestáveis no conceito capitalista, eram velhos o bastante para estarem no mercado de trabalho, eram jovens o bastante para não precisarem de trabalho e em sua filosofia de mala não estavam nem um pouco preocupados com isso.

Para não dizer que os malas eram totalmente imprestáveis, eles serviam de mau exemplo. No fundo, todos os adultos sabiam que eles não iriam longe, logo seriam absorvidos pelos bandidos, viveriam de pequenos furtos, ou seriam um encosto pra família. Se fossem um pouco mais ricos virariam usuários de drogas ou algo do genero.

Hoje, como pai de família compreendo perfeitamente a aflição de meus pais em relação aos malas. Para uma criança de 8 a 12 anos, o mala é o modelo perfeito de sucesso social. O mala não faz nada, enquanto meus pais se matavam de trabalhar, mal tinham tempo de curtir a vida, viviam preocupados com orçamentos, educação, além de terem que resolver um filho ou outro doente ou problemas do dia a dia. O mala, ao contrário, parecia de férias pra sempre, não estudavam colocando abaixo todo conceito de que você precisava estudar pra ser alguém. Os malas conheciam todo mundo, ao contrário de seus pais que mal sabiam o nome do vizinho, ou do meu melhor amigo. Os malas não tinham hora pra voltar pra casa, matando de ódio tanto eu quanto minha mãe que tinha que me buscar na rua depois de certo horário.

Não adiantava qualquer conceito de juízo, na prática, o mala superava todos. Mas hoje, adulto, muitos anos depois posso ver as consequencias que meus pais tentavam tanto me alertar. Dos malas que conheci, grande parte estão presos, os que não estão presos morreram. Os que não morreram estão perdidos no mundo, com AIDS, em centros de recuperação de viciados. Alguns poucos, raros, continuam lá, malas ainda. Arrisquei uma vez a conversar com eles, vi que eles me admiravam, como se eu tivesse ido pra outro planeta, inatingível pra eles.

E... Ao final de tudo isso, observando aquele ser humano sem rumo... Me bate uma aflição, se ter que ensinar a qualquer custo aos meus filhos que aquele tipo de sujeito não vale a pena... E o ciclo se fecha.

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